A presidente afastada, Dilma Rousseff (PT),
participa do lançamento de livro no Recife
A
presidente afastada, Dilma Rousseff, pediu nesta terça-feira (16) a senadores
que “não façam a injustiça” de condená-la por um crime que “não cometeu”, se
disse mais uma vez vítima de um “inequívoco golpe” e defendeu a realização de
um plebiscito para novas eleições e reforma política.
Na
carta aos senadores e ao povo brasileiro lida em um pronunciamento no Palácio
da Alvorada, Dilma disse que, caso o impeachment seja consumado “sem crime de
responsabilidade”, o Brasil estará sofrendo um “inequívoco golpe seguido de
eleição indireta”.
“O
colégio eleitoral de 110 milhões de eleitores seria substituído, sem a devida
sustentação constitucional, por um colégio eleitoral de 81 senadores. Seria um
inequívoco golpe seguido de eleição indireta”, afirmou a petista.
No
documento, Dilma defendeu ainda a realização de um plebiscito para a realização
de novas eleições e reforma política, com medidas como a fragmentação de
partidos, moralização do financiamento das campanhas e mais poder aos
eleitores. A questão da reforma política foi uma exigência dos movimentos
sociais, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
“Estou
convencida da necessidade e darei meu apoio irrestrito à convocação de um
plebiscito para consultar a população sobre a realização de eleições e reforma
política e eleitoral”, afirmou.
Dilma
disse ainda que, no período em que esteve afastada do Palácio do Planalto,
ouviu “críticas duras” a seu governo, que “erros foram cometidos” e “medidas
não foram tomadas”. De maneira genérica, afirmou que “acolhe” essas críticas
“com humildade e determinação”.
De
acordo com senadores aliados, Dilma divulgou a carta aos parlamentares na tarde
desta terça, enquanto fazia a leitura a jornalistas, o que irritou
especialmente os petistas.
A
presidente afastada não convidou nenhum dos senadores para estar ao lado dela
durante a leitura do documento e estava acompanhada de cinco ex-ministros do
PT: Jaques Wagner (Casa Civil), Aloizio Mercadante (Educação), Miguel Rossetto
(Trabalho), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Eleonora Menicucci
(Mulheres).
Dilma
se disse “inocente” e afirmou que “jamais” encontrarão em sua trajetória
“registro de desonestidade, covardia ou traição”. Nesse momento, aproveitou
para fazer uma crítica velada ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) e afirmou que não tem “conta na Suíça”.
‘SEM TIMING’
Há
semanas aliados reclamam que Dilma “perdeu o timing” da divulgação da carta e
que, agora, o documento não terá mais valor em troca de votos no julgamento final
do impeachment, marcado para começar em 25 de agosto.
A
presidente afastada fez diversas versões do documento que, inicialmente, tinha
cinco páginas. Na quarta-feira (10), em almoço com senadores no Alvorada, pediu mais seis
diaspara finalizar o texto, que contaria, segundo ela, com novos
ajustes.
Dilma
queria retirar principalmente sugestões do senador Cristovam Buarque (PPS-DF),
que opinou sobre o documento, mas acabou fazendo discurso a favor do
impeachment na sessão no Senado que tornou a petista ré.
A
defesa do plebiscito para novas eleições contraria a
opinião do presidente nacional do PT, Rui Falcão, que já se declarou
publicamente contra a consulta popular.
Leia
a íntegra da carta:
*
Mensagem da Presidenta da República Dilma Rousseff
AO
SENADO FEDERAL E AO POVO BRASILEIRO
Brasília, 16 de agosto de 2016
Dirijo-me à população brasileira e às Senhoras Senadoras e aos Senhores
Senadores para manifestar mais uma vez meu compromisso com a democracia e com
as medidas necessárias à superação do impasse político que tantos prejuízos já
causou ao País.
Meu retorno à Presidência, por decisão do Senado Federal, significará a
afirmação do Estado Democrático de Direito e poderá contribuir decisivamente
para o surgimento de uma nova e promissora realidade política.
Minha responsabilidade é grande. Na jornada para me defender do
impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu
reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu
governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram
adotadas. Acolho essas críticas com humildade e determinação para que possamos
construir um novo caminho.
Precisamos fortalecer a democracia em nosso País e, para isto, será
necessário que o Senado encerre o processo de impeachment em curso,
reconhecendo, diante das provas irrefutáveis, que não houve crime de
responsabilidade. Que eu sou inocente.
No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a
desconfiança política para afastar um Presidente. Há que se configurar crime de
responsabilidade. E está claro que não houve tal crime.
Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de
Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o Presidente pelo
“conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições.
Por isso, afirmamos que, se consumado o impeachment sem crime de
responsabilidade, teríamos um golpe de estado. O colégio eleitoral de 110
milhões de eleitores seria substituído, sem a devida sustentação
constitucional, por um colégio eleitoral de 81 senadores. Seria um inequívoco
golpe seguido de eleição indireta.
Ao invés disso, entendo que a solução para as crises política e
econômica que enfrentamos passa pelo voto popular em eleições diretas. A
democracia é o único caminho para a construção de um Pacto pela Unidade
Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social. É o único caminho para sairmos
da crise.
Por isso, a importância de assumirmos um claro compromisso com o
Plebiscito e pela Reforma Política.
Todos sabemos que há um impasse gerado pelo esgotamento do sistema
político, seja pelo número excessivo de partidos, seja pelas práticas políticas
questionáveis, a exigir uma profunda transformação nas regras vigentes.
Estou convencida da necessidade e darei meu apoio irrestrito à
convocação de um Plebiscito, com o objetivo de consultar a população sobre a
realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e
eleitoral.
Devemos concentrar esforços para que seja realizada uma ampla e profunda
reforma política, estabelecendo um novo quadro institucional que supere a
fragmentação dos partidos, moralize o financiamento das campanhas eleitorais,
fortaleça a fidelidade partidária e dê mais poder aos eleitores.
A restauração plena da democracia requer que a população decida qual é o
melhor caminho para ampliar a governabilidade e aperfeiçoar o sistema político
eleitoral brasileiro.
Devemos construir, para tanto, um amplo Pacto Nacional, baseado em
eleições livres e diretas, que envolva todos os cidadãos e cidadãs brasileiros.
Um Pacto que fortaleça os valores do Estado Democrático de Direito, a soberania
nacional, o desenvolvimento econômico e as conquistas sociais.
Esse Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social
permitirá a pacificação do País. O desarmamento dos espíritos e o arrefecimento
das paixões devem sobrepor-se a todo e qualquer sentimento de desunião.
A transição para esse novo momento democrático exige que seja aberto um
amplo diálogo entre todas as forças vivas da Nação Brasileira com a clara
consciência de que o que nos une é o Brasil.
Diálogo com o Congresso Nacional, para que, conjunta e responsavelmente,
busquemos as melhores soluções para os problemas enfrentados pelo País.
Diálogo com a sociedade e os movimentos sociais, para que as demandas de
nossa população sejam plenamente respondidas por políticas consistentes e
eficazes. As forças produtivas, empresários e trabalhadores, devem participar
de forma ativa na construção de propostas para a retomada do crescimento e para
a elevação da competitividade de nossa economia.
Reafirmo meu compromisso com o respeito integral à Constituição Cidadã
de 1988, com destaque aos direitos e garantias individuais e coletivos que nela
estão estabelecidos. Nosso lema persistirá sendo “nenhum direito a menos”.
As políticas sociais que transformaram a vida de nossa população,
assegurando oportunidades para todas as pessoas e valorizando a igualdade e a
diversidade deverão ser mantidas e renovadas. A riqueza e a força de nossa
cultura devem ser valorizadas como elemento fundador de nossa nacionalidade.
Gerar mais e melhores empregos, fortalecer a saúde pública, ampliar o
acesso e elevar a qualidade da educação, assegurar o direito à moradia e
expandir a mobilidade urbana são investimentos prioritários para o Brasil.
Todas as variáveis da economia e os instrumentos da política precisam
ser canalizados para o País voltar a crescer e gerar empregos.
Isso é necessário porque, desde o início do meu segundo mandato,
medidas, ações e reformas necessárias para o país enfrentar a grave crise
econômica foram bloqueadas e as chamadas pautas-bomba foram impostas, sob a
lógica irresponsável do “quanto pior, melhor”.
Houve um esforço obsessivo para desgastar o governo, pouco importando os
resultados danosos impostos à população. Podemos superar esse momento e,
juntos, buscar o crescimento econômico e a estabilidade, o fortalecimento da
soberania nacional e a defesa do pré-sal e de nossas riquezas naturais e
minerárias.
É fundamental a continuidade da luta contra a corrupção. Este é um
compromisso inegociável. Não aceitaremos qualquer pacto em favor da impunidade
daqueles que, comprovadamente, e após o exercício pleno do contraditório e da
ampla defesa, tenham praticado ilícitos ou atos de improbidade.
_Povo
brasileiro, Senadoras e Senadores,_
O Brasil vive um dos mais dramáticos momentos de sua história. Um
momento que requer coragem e clareza de propósitos de todos nós. Um momento que
não tolera omissões, enganos, ou falta de compromisso com o país.
Não devemos permitir que uma eventual ruptura da ordem democrática
baseada no impeachment sem crime de responsabilidade fragilize nossa
democracia, com o sacrifício dos direitos assegurados na Constituição de 1988.
Unamos nossas forças e propósitos na defesa da democracia, o lado certo da
História.
Tenho orgulho de ser a primeira mulher eleita presidenta do Brasil.
Tenho orgulho de dizer que, nestes anos, exerci meu mandato de forma digna e
honesta. Honrei os votos que recebi. Em nome desses votos e em nome de todo o
povo do meu País, vou lutar com todos os instrumentos legais de que disponho
para assegurar a democracia no Brasil.
A essa altura todos sabem que não cometi crime de responsabilidade, que
não há razão legal para esse processo de impeachment, pois não há crime. Os
atos que pratiquei foram atos legais, atos necessários, atos de governo. Atos
idênticos foram executados pelos presidentes que me antecederam. Não era crime
na época deles, e também não é crime agora.
Jamais se encontrará na minha vida registro de desonestidade, covardia
ou traição. Ao contrário dos que deram início a este processo injusto e ilegal,
não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único centavo do
patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi
propina de ninguém.
Esse processo de impeachment é frágil, juridicamente inconsistente, um
processo injusto, desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente. O que peço
às senadoras e aos senadores é que não se faça a injustiça de me condenar por
um crime que não cometi. Não existe injustiça mais devastadora do que condenar
um inocente.
A vida me ensinou o sentido mais profundo da esperança. Resisti ao
cárcere e à tortura. Gostaria de não ter que resistir à fraude e à mais infame
injustiça.
Minha esperança existe porque é também a esperança democrática do povo
brasileiro, que me elegeu duas vezes Presidenta. Quem deve decidir o futuro do
País é o nosso povo.
A democracia há de vencer.
Dilma Rousseff
Fonte: Folha de
São Paulo
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