Fotos
mostram que alguns presos vivem em condições duras em Pedrinhas
Vinte
e quatro detentos se amontoam numa cela projetada para abrigar apenas quatro,
onde dormem sobre o concreto, sem colchões nem travesseiros. Em outra cela, 22
homens passam dia e noite trancados num espaço escuro, úmido e sem ventilação
--alguns usam as próprias camisas para enxugar vazamentos que inundam o piso.
Retratadas
em fotos obtidas com exclusividade pela BBC Brasil, as cenas expõem a
precariedade em partes da penitenciária de Pedrinhas, em São Luís, em meio a
uma nova onda de violência no Maranhão,
dois anos e meio após a unidade se tornar notícia mundo afora por um vídeo que
mostrava presos decapitados.
Desde
o dia 30 de setembro, três detentos foram encontrados mortos dentro de
Pedrinhas, o que eleva para ao menos 79 o total de óbitos registrados na
unidade desde 2013, segundo ONGs que monitoram a prisão.
As
seis fotos recebidas pela BBC Brasil, cujos autores pediram anonimato, foram
tiradas em três edifícios do complexo penitenciário, o maior do Maranhão.
Hoje
chefiado por Flávio Dino, do PCdoB, o governo maranhense não contestou a
veracidade das imagens, mas disse que "problemas estruturais
históricos" das prisões locais vêm sendo sanados e que na atual gestão o
número de mortes em Pedrinhas despencou.
A
BBC Brasil mostrou as fotos a duas organizações que acompanham a situação no
presídio --a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e a Conectas--, que
visitaram os mesmos locais no fim de setembro e disseram ter presenciado
condições semelhantes.
Presidiários
encolhem as pernas e precisam se revezar para dividir espaço em cela
Denúncia
Uma
das cenas mais insalubres retratadas é a de uma cela de "castigo" do
presídio. Segundo advogados das duas ONGs, nessas celas -- destinadas a presos
que cometem infrações dentro da prisão - muitos detentos dizem passar dias sem
conseguir dormir por causa do calor e da umidade.
Os
rostos dos presos foram borrados nas fotos para proteger suas identidades.
"Submeter
detentos a essas condições equivale a submetê-los à tortura", diz o
advogado Rafael Custódio, da Conectas.
Ele
diz que a ONG estuda apresentar uma denúncia formal contra o Brasil na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica, por causa "das
permanentes violações de direitos humanos" no presídio e da lentidão das
autoridades em tomar providências, mesmo após cobranças do próprio tribunal e
de outros organismos internacionais.
Outra
foto, tirada numa cela de triagem da prisão, mostra como 24 detentos dividem o
espaço à noite. Alguns precisam abrir as pernas ou dobrá-las para que outros
possam se esticar. No fundo da cela, um detento se deita junto ao buraco que
serve de latrina.
Uma
norma da penitenciária diz que as celas de triagem deveriam abrigar detentos
recém-chegados a Pedrinhas por no máximo dez dias, até que sejam transferidos
para celas comuns.
Mas
Rafael Custódio, da Conectas, afirma que a regra não é cumprida e que alguns
presos lhe disseram ter passado mais de um mês na triagem.
Em
uma das celas, presos usam suas próprias camisetas para secar o chão
Desde
o dia 30 de setembro, dois presos - Fábio Roberto Costa Pereira, de 29 anos, e
Jarlyson Belfort Cutrim, de 21 - foram encontrados mortos em celas de triagem
do presídio, e um terceiro detento, Jhonatan da Silva Luz, de 20 anos, morreu
em outro local.
O
governo maranhense diz que os casos estão sendo investigados.
Sem
uniformes
Outras
duas fotos mostram detentos de cuecas em celas comuns. Segundo Diogo Cabral,
advogado da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, muitos presos em
Pedrinhas ficaram sem uniformes depois de os terem rasgado em um protesto
contra as condições no presídio, no fim de setembro.
Cabral
diz que muitos presos relataram ter sido atacados com spray de gás pimenta e
balas de borracha durante os protestos.
Ele
afirma que a precariedade na penitenciária agrava as tensões que resultaram nas
últimas mortes de detentos e numa série de ataques a ônibus e escolas ocorridos
nos últimos dias no Maranhão.
Em
resposta aos atentados, que segundo autoridades foram coordenados de dentro da
prisão, o governo maranhense transferiu 23 presos de Pedrinhas para uma
penitenciária federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Em
nota à BBC Brasil, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap)
defendeu a atuação do governo Flávio Dino no setor. O governador tomou posse em
2015, interrompendo um domínio de meio século da família Sarney no Maranhão.
A
secretaria diz que problemas das prisões maranhenses têm sido solucionados com
um "forte e contínuo investimento do Executivo", e que obras realizadas
desde o início da gestão criaram 946 vagas em presídios.
Governo
diz que está ampliando número de vagas e que houve queda nas mortes
O
órgão diz ainda que, apesar da crise que se instalou em Pedrinhas a partir de
2013, conseguiu alcançar "uma marca histórica de um ano e cinco meses sem
registros de mortes" na unidade.
Para
a Conectas e a Sociedade Maranhense dos Direitos Humanos, o número de mortes só
baixou porque o governo passou a separar os presos conforme suas organizações
criminosas. "O governo sucumbiu à lógica das facções", diz Diogo
Cabral, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.
Já
o governo maranhense afirma que a organização de presos por grupos criminosos
"é uma recomendação da própria Lei de Execuções Penais, que em seu artigo
84 estabelece que 'o preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica
ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local
próprio'".
Em
2013, quando pelo menos 60 presos morreram em Pedrinhas, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos passou a acompanhar o caso e a cobrar
respostas do Estado brasileiro sobre as denúncias a respeito do presídio.
Processo
internacional
No
fim de 2014, o caso subiu para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que
determinou que o Brasil adotasse medidas "para proteger eficazmente a vida
e a integridade pessoal de todas as pessoas" em Pedrinhas.
Governo
diz que, apesar das condições em Pedrinhas, houve "investimento
forte"
Embora
a prisão seja responsabilidade do governo maranhense, cabe ao governo
brasileiro se pronunciar sobre os casos que envolvem o Brasil na corte. As
exposições são feitas em coordenação com governos estaduais e municipais,
quando necessário.
No
processo sobre Pedrinhas que tramita na corte hoje, não há propriamente um réu.
Por isso o tribunal não pode condenar o Brasil, como aconteceu com o país por
não ter levado à Justiça responsáveis por atrocidades da ditadura militar.
Para
que o Brasil possa ser julgado por Pedrinhas, é preciso que a corte
interamericana aceite uma denúncia formal contra o Estado brasileiro por sua
atuação em relação ao caso.
As
ONGs que acompanham o assunto dizem estudar a possibilidade de apresentar a
denúncia à corte.
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