Impulsionada pela forte
demanda do mercado chinês, a expansão do corredor logístico para escoar grãos
pelo Norte do país vem deixando um rastro de impactos negativos no entorno do
rio Tapajós, na Amazônia, de acordo com estudos de ONGs sobre projetos de
infraestrutura na região.
Segundo um relatório da
ActionAid e da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
(Fase), a região do médio Tapajós, no noroeste do Pará, está em vias de receber
cerca de 20 novos portos privados para o transporte de grãos ao longo da
próxima década.
De acordo com o estudo, os
investimentos no corredor logístico têm gerado uma supervalorização fundiária,
pressiona comunidades tradicionais a deixarem suas terras, favorece a
concentração de renda e altera a paisagem de uma região que é considerada um
dos maiores mosaicos de áreas protegidas no mundo.
As críticas são reforçadas
por um segundo estudo que questiona o modelo de desenvolvimento em torno do
rio, que acaba de ser lançado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (Ibase) e calcula em 26 o número de portos a serem construídos no
Tapajós.
Estações de cargas como a da Cianport em Miritituba são paisagens cada
vez mais comuns na região
A Secretaria de Meio
Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (Semas) confirma apenas 15
estações de transbordo licenciadas ou em processo de consulta, sendo quatro já
autorizadas para operação.
Lançado no Rio nesta
quarta-feira no Rio, o primeiro relatório, intitulado “A geopolítica de
infraestrutura da China na América do Sul: Um estudo a partir do caso do
Tapajós na Amazônia brasileira”, credita a expansão do corredor logístico sobretudo
à demanda da China – principal parceiro comercial do Brasil e, no que concerne
especialmente à região, maior comprador da soja nacional.
“O Tapajós se tornou a
rota mais almejada da soja brasileira, com a expansão mais dinâmica em curso no
Brasil, e a demanda chinesa é o fator determinante para isso”, diz Diana
Aguiar, assessora nacional da Fase e autora da pesquisa.
População ‘atropelada’
De acordo com Aguiar, o
preço da terra no entorno do município de Itaituba, epicentro dos
investimentos, explodiu, gradualmente afastando populações tradicionais das
margens do Rio. Nas regiões à beira do rio, lotes de terra chegaram a ter
valorização de 2.000% na última década.
A pesquisadora diz que há
indícios de grilagem na análise dos títulos de terra, com registros existentes
apenas de 2000 para cá, e de destruição de sítios arqueológicos, com artefatos
antigos de cerâmica encontrados, mas ignorados, no processo de terraplanagem
para construir um dos portos.
Famílias têm suas casas cercadas por terrenos
vendidos para instalações portuárias em Santarenzinho
Além das mudanças à beira
do rio, o aumento do fluxo de carretas chegando com grãos pela BR-163 também
vem aumentando a poluição sonora e ambiental.
“A população se queixa do
aumento de atropelamentos, poluição, engarrafamentos e da exploração sexual de
menores nos postos de triagem”, diz.
“De repente o território
dos povos do Tapajós, por uma confluência de interesses, se tornou rota da
soja. É um atropelamento de empreendimentos que chegam por razões completamente
alheias à logica territorial. As comunidades locais passam a ser vistas como
uma pedra no caminho da soja”, acrescenta Aguiar.
Fator China
Aguiar passou cinco meses
no Tapajós para estudar o impacto local dos investimentos em infraestrutura e
das relações com a China – analisando a região como termômetro das mudanças
provocadas pelo gigante asiático, na expectativa de que os investimentos
chineses na área de infraestrutura aumentem expressivamente nos próximos anos.
A
região é considerada um dos maiores mosaicos de áreas protegidas no mundo
O presidente Michel Temer
chega à China nesta quinta-feira para a 9ª Cúpula dos Brics (grupo de países
emergentes que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Além de fazer visita de
Estado, Temer participará de um seminário empresarial para apresentar o pacote
de concessões e privatizações de aeroportos, portos, rodovias e linhas de
transmissão, buscando atrair investidores chineses. Lançado na semana passada,
o pacote inclui a venda de parte da Eletrobras e projetos de infraestrutura
voltados para o Arco Norte.
Um deles é o Ferrogrão,
megaprojeto de construir uma ferrovia de Lucas do Rio Verde, no norte do Mato
Grosso, até Itaituba. O projeto está previsto para licitação ainda neste
semestre.
Planos para a região
incluem ainda hidrovias no rio Tapajós, iniciativa que estava atrelada à construção
da hidrelétrica do Complexo Tapajós. Após protestos de organizações ambientais,
movimentos sociais e os indígenas da etnia Munduruku, o projeto teve a licença
suspensa pelo Ibama no ano passado.
O escoamento de grãos pelo
chamado Arco Norte, que abrange os estados de Rondônia, Amazonas, Pará, Amapá e
Maranhão, permite levar grãos do Centro-Oeste até a China saindo pelo Atlântico
Norte e passando pelo Canal do Panamá, evitando o longo trajeto mais longo e
oneroso até os portos mais saturados do Sul e do Sudeste.
A rota é mais vantajosa
também para o transporte para os países da União Europeia, segundo maior
compradora da soja brasileira.
A rota é a que mais cresce
para o transporte da soja. De acordo com Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq), o escoamento do grão pelo norte teve aumento de 172,4%
entre os primeiros semestres de 2012 e de 2017.
De acordo com o Ministério
dos Transportes, Portos e Aviação Civil, o Arco Norte garante competitividade
às commodities do país no mercado externo, e na safra 2017/2017 já escoou 23,8%
das 96,9 milhões de toneladas de grãos produzidos no país. Desse total, somente
o corredor Tapajós escoou 2,67 milhões de toneladas.
Em nota, a pasta afirma
que não pode comentar os relatórios sobre a expansão do corredor logístico do
Tapajós por não ter tido acesso aos documentos.
“O ministério pode,
contudo, garantir que cumpre a moderna legislação ambiental em vigência no
Brasil, que inclui estudos de impacto ambiental e audiências públicas para
ouvir as populações que vivem nas regiões afetadas por obras.”
Expansão estratégica para
agronegócio
O corredor logístico que
usa o rio Tapajós como porta de saída para o oceano começou a se desenvolver em
2003, com a entrada em operação do terminal portuário construído em Santarém
pela gigante norte-americana Cargill, e se acelerou após 2013, com promulgação
da lei que permite a instalação de portos privados no país.
A região que vê mudanças
mais expressivas é o entorno do município de Itaituba e do distrito de
Miritituba, cerca de 300 km ao sul de Santarém, que ganhou o primeiro terminal
portuário em 2014, da Rio Turia, representante da norte-americana Bunge no
Brasil – e que teve 50% da operação comprada pela Ammagi, do ministro da
Agricultura Blairo Maggi.
Outras gigantes do setor
agrícola estão investindo na região, como a Cargill e a Louis Dreyfs, além da
joint-venture Cianport, que tem capital chinês.
Fragmentos arqueológicos são
destruídos pela terraplanagem
Itaituba e Miritituba
ficam em lados opostos do rio, e veem a margem verde gradualmente ser ocupada
por silos e estruturas metálicas nas estações de transbordo de carga, que recebem
soja trazida em carretas e despejadas nas barcaças.
No estudo “Portos no Rio
Tapajós: O Arco do Desenvolvimento e da Justiça Social?”, o Ibase questiona o
modelo de desenvolvimento que avança na região.
O relatório calcula em 26
o total de terminais portuários a serem estabelecidos no Tapajós, contra a
estimativa de 20 feito pelo relatório da ActionAid/Fase.
Diana Aguiar diz que foi
difícil levantar o número de portos, afirmando que “nem organizações, nem
prefeituras, nem o governo do Estado” tinham clareza de quantos terminais
estavam previstos. O número leva em conta em empreendimentos em construção, em
licenciamento ou ainda em fase de planejamento.
‘Apresentação isolada’
Camões Boaventura, do
Ministério Público Federal em Santarém, diz que falta transparência e
planejamento aos projetos que vêm sendo implementados, que são apresentados de
maneira isolada, dificultando o debate e o engajamento social.
“Existe mobilização, mas
para a população é difícil entender todas essas iniciativas e de reagir, porque
são tantas coisas separadas. Isso também dificulta a fiscalização e afasta uma
avaliação ambiental integrada, compreendendo os efeitos que os projetos vão
trazer em conjunto.”
“A apresentação isolada
vem para fugir ao controle dos órgãos e ao acompanhamento da sociedade civil
organizada.
”Terreno sendo terraplanado para futura instalação portuária em
Santarenzinho
Questionado pela BBC
Brasil sobre os impactos negativos, ele rebateu com uma pergunta: “Existe algum
impacto positivo? Eu não consigo ver nenhum para a região”.
A Secretaria de Meio
Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (Semas) afirma que, ao analisar
projetos, realiza audiências públicas para dialogar com a comunidade e os
diferentes órgãos envolvidos no processo, expondo os benefícios do projeto e
propostas para compensar os possíveis impactos gerados.
Ressalta ainda que as
empresas são obrigadas a detalhar os programas sociais que vão implementar como
medidas compensatórias nos Estudos de Impacto Ambiental que apresentam à
secretaria.
“A Semas ressalta que,
desde o início dos licenciamentos das estações de transbordo na Região do
Tapajós, teve a preocupação quanto à preparação do local para recebimento dos
grandes projetos, considerando os impactos ocasionados na coletividade e a
capacidade de suporte, controle e monitoramento da qualidade ambiental e social
da região”, informa a pasta em nota, dizendo que um Plano de Controle Ambiental
Integrado foi criado para monitoramento “os impactos comuns”.
‘Arco do desenvolvimento?’
Questionando a associação
dos portos do Tapajós ao desenvolvimento, o estudo do Ibase reconhece que o
corredor logístico do Tapajós é parte do esforço de desafogar as exportações do
agronegócio, reduzir custos de transporte e aumentar a competitividade de grãos
no mercado global.
Porém, diz que o
barateamento de remessas logísticas vem com alto custo para as populações
locais.
“Esses portos são símbolos
da concentração da riqueza para poucas empresas, principalmente estrangeiras,
que não procuram Itaituba como fonte de desenvolvimento local, mas como fonte
de interesses individuais e de seus acionistas”, escreve o autor Jondison
Cardoso Rodrigues.
“Apontam para um pequeno
grupo empresarial que lucrará bilhões de dólares às custas do desmatamento, da
poluição e contaminação das águas, da legalização da grilagem, concentração de
terra, do desmonte de comunidades tradicionais: ribeirinhas, camponesas e
indígena da região do Tapajós”, conclui.
De acordo com Jane Silva,
articuladora do Ibase no Pará, a construção dos terminais portuários está
deslocando famílias ribeirinhas das margens do rio Tapajós, reduzindo a pesca
artesanal e desestruturando áreas residenciais de Miritituba.
“Caso se confirme a
implantação dos 26 portos previstos, as terras entre a margem direita do rio
Tapajós e a BR-163 (por onde os caminhões chegam do Centro-oeste) serão todas
reconfiguradas e colocadas a serviço da logística de exportação da soja e,
futuramente, de madeira e de minério”, considera Silva.
Por: Júlia Dias
Carneiro
Fonte: BBC
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