Em fevereiro deste ano, completaram-se sessenta ano da Revolta de
Jacareacanga.
Poderia ser a Revolta de Santarém, porque foi para lá que os revoltosos foram primeiramente. Há até quem defenda a ideia de Revolta de Itaituba, pelo fato de Haroldo Veloso ter sido preso neste município, mas, o que interessa mesmo é o fato histórico.
O Jornal do Comércio não deixou passar em branco a data, tendo publicado na edição 211, que circulou há um semana, uma matéria de quatro páginas, com um resumo que situa o leitor a respeito do fato.
Somente quem caminha para os 70 anos de
idade deve se lembrar do rebuliço que houve neste região, de modo particular
nas cidades de Santarém, Jacareacanga e Itaituba, em fevereiro de 1956. Foi um
tal de salve-se quem puder, como lembra o jornalista Jota Parente, que tinha
cinco anos de idade na ocasião, o qual cresceu ouvindo seus pais comentar que
foram colocados tambores de 200 litros no meio da pista para evitar pousos e
decolagens.
Em fevereiro deste ano, completou 60
anos da revolta. O professor Marco Túlio Ferreira Baptista, professor da UNIFA,
mestre em Ciências Espaciais, escreveu um texto para a Revista Defesa Nacional,
do qual o Jornal do Comércio produziu um resumo para fazer este registro da
história.
A Revolta de Jacareacanga foi a
primeira das duas revoltas ocorridas no seio da Força Aérea Brasileira. Foi o
resultado de um crescente descontentamento das Forças Armadas com a política
vigente no Brasil, principalmente desde a morte de Getúlio Vargas em 1954.
Foi liderada pelo, então, major Haroldo Coimbra Velloso, que, em 11 de
fevereiro de 1956, auxiliado por seu amigo e correligionário de ideais, capitão
Lameirão, roubaram uma aeronave Beechcraft do Campo dos Afonsos (Rio) e
seguiram rumo ao Brasil Central, Jacareacanga, a fim de estimularem os demais
militares das três Forças a se rebelarem contra o regime vigente. Imaginavam
precipitar o golpe militar que só ocorreria oito anos mais tarde. Depois de
algumas paradas para reabastecimento, chegaram ao destino.
O movimento não contou com o apoio
esperado. Exceto a adesão do major Paulo Vitor com uma aeronave C-47, alguns
poucos militares nas localidades em que passou e, ainda alguns caboclos, nenhum
dos esquadrões que Velloso esperava que aderissem se manifestou, a não ser para
lhe dar combate.
Algo
realmente falhou na hora H, pois estes homens personificavam o pensamento da
maioria dos militares de sua época. Fato confirmado posteriormente com os
acontecimentos que se desenrolaram entre a renúncia de Jânio Quadros e o Golpe
Militar de 1964.
Um militar brilhante - Haroldo
Coimbra Velloso nasceu no Rio de Janeiro a 4 de julho de 1920. Sentou praça no
Exército em abril de 1939, na Escola Militar de Realengo. Fez o curso de
Engenharia Aérea e atingiu o posto de major (posto no momento da Revolta de
Jacareacanga) em 1951, já integrante da Força Aérea Brasileira.
Velloso coordenou a construção da
pista de Cachimbo, inaugurada em 20 de janeiro de 1954. Da mesma forma, foi o
responsável pela construção da pista de Jacareacanga. Assim, abriu caminho para
a rota do Correio Aéreo Nacional do Rio de Janeiro até Manaus.
O árduo trabalho no Brasil Central e
por toda a Amazônia o fez ser o oficial mais reconhecido e conhecido por toda a
Região Norte. Daí a sua grande influência sobre os militares que serviam nos
aeródromos desta rota, bem como os caboclos e índios, muitos contratados por
ele para a abertura dos campos de pouso.
Em
entrevista ao repórter Arlindo Silva, da revista Cruzeiro, o capitão Lameirão
declarou: “Nosso plano era iniciar efetivamente a revolução. Era preciso que
alguém o fizesse. Velloso e eu tomamos a iniciativa. Nosso plano era
apoderar-nos, logo de início da base de Cachimbo – e foi o que fizemos. É
preciso que se saiba que o Cachimbo fica mais ou menos equidistante de
Fortaleza, Recife, Natal e Salvador. Com a base em nossas mãos, seria fácil aos
camaradas que quisessem aderir, com seus B-25, as fortalezas Voadoras do
Nordeste, e os Ventura de Salvador, principalmente, voar diretamente ao
Cachimbo e ali lutar pela causa. Chamaríamos, também, as atenções da Nação para
aquele ponto e para a Amazônia, e isto poderia facilitar o levante no Sul.
Achávamos que alguém começando a revolução, ela se alastraria naturalmente.”
No final da tarde do dia 11 de fevereiro, o
Comandante da Primeira Zona Aérea chegava ao Rio de Janeiro, por volta das
17:30h e, sendo recebido no aeroporto pelo Brigadeiro Melo, tomou conhecimento
do fato ocorrido naquela manhã. Sua primeira providência foi entrar em contato
pelo rádio com o chefe de seu Estado-Maior, Coronel Almir dos Santos Policarpo,
para o qual transmitiu ordens de imediata ocupação dos campos de pouso de
Santarém e Itaituba.
No
dia seguinte, chegou a Belém, na base de Val-de-Cans, o C-47 2059 do Primeiro
Grupo de Transportes do Campo dos Afonsos. Este era um vôo de rotina e procedia
de Caiena. Era pilotado pelo major Paulo Vitor e o tenente Petit. Depois de
passar em Macapá, chegou a Belém no dia 12. Aí recebeu ordens inicialmente de
efetuar uma viagem para Porto Nacional. Missão esta que veio a ser cancelada. A
nova incumbência de Paulo Vitor seria transportar tropas para o Tapajós, a fim
de dar combate à Velloso e seus homens. Vitor não teve conhecimento prévio das
atividades do amigo para organizar o levante e precipitar a revolução, contudo
levar tropas para combatê-lo o deixava num grande dilema, pois tinha uma grande
amizade, de muitos anos, com Velloso e Lameirão.
Amizade consolidada, também, pelo
árduo trabalho na Amazônia. Por outro lado, negar-se a levar as tropas seria um
ato de insubordinação. Desta forma decidiu-se por cumprir a missão e, no final,
prestar solidariedade aos amigos. A forma como foi planejada a missão punitiva
acarretou na entrega fácil de Santarém e Itaituba aos revoltosos.
Militares presos em Jacareacanga
transportados para Santarém - Do dia 15 ao dia 22, as forças rebeldes se
mantiveram com certa tranquilidade em suas posições, salvo alguma movimentação
entre Santarém e Jacareacanga. Os presos de Jacareacanga foram transportados
para Santarém, a fim de lhes dar melhores condições. Velloso nunca esqueceu que
estes presos também eram seus companheiros de armas, portanto lhes garantiu o
tratamento mais digno possível.
No dia 22 de fevereiro, após alguma
sensação de combate num encontro sem consequências no dia anterior com um B-17,
um Catalina apareceu sobre o aeródromo de Santarém, fazendo um sobrevoo no
aeroporto da cidade onde se encontravam os revoltosos. A essa altura fazia
alguns dias que tinha saído de Belém o navio Getúlio Vargas, transportando uma
tropa para tomar, inicialmente, Santarém das mãos dos insurgentes. Depois
seguiria para Itaituba. Jacareacanga só via área. E por pouco não aconteceu uma
grande tragédia.
Uma
quase tragédia - Após esse sobrevoo, o capitão Lameirão realizou um
novo voo de patrulha e, como não conhecia o navio Getúlio Vargas, ao ver o
navio “Lobo D’Almeida” que ingressava no porto de Santarém, acreditou que a
Força Tarefa, comandada pelo Brigadeiro Alves Cabral, já estava próximo de
realizar seu desembarque. Lameirão tinha intenção de abastecer o “Beech” e
armar com as bombas, recém-carregadas para bombardear o suposto navio
Presidente Vargas antes que as tropas desembarcassem. No entanto, mais
prudente, Veloso imaginou que um ataque à Força Tarefa, com o navio já no
porto, não impediria que a tropa desembarcasse e logo teriam o campo de pouso
tomado e seriam presos. Por isso, deu a ordem de embarcar todo o material
bélico e combustível no C-47 de Paulo Victor e preparar para a partida em
direção a Jacareacanga. Abandonariam Santarém.
Essa decisão realmente evitou uma
tragédia: o bombardeio, por engano, de um navio de passageiros. O verdadeiro
navio Presidente Vargas se encontrava nas imediações de Monte Alegre e só
realizariam o desembarque em Santarém dois dias depois. A decolagem do C-47
(Velloso e Paulo Vitor) e do Beechcraft (Lameirão e o artilheiro Cazuza)
ocorreu por volta das 19 horas, levando armamento munição e 25 homens leais. O
voo heroico destes homens, realizado à noite e sob más condições
meteorológicas, terminou em Jacareacanga às 21 horas, tendo apenas um lampião
de querosene para iluminar cada uma das cabeceiras da pista.
Vellosso em Pimental e São Luiz - No dia
seguinte, Velloso decidiu sair de barco com mais cinco homens em direção a Pimental para
fazer fogo às tropas legalistas que se aproximavam. A cerca de 80 Km de
Jacareacanga existia um pequeno campo de pouso que era cuidado por um
grupamento de sete homens armados com carabinas. Existia, também, uma Missão
Franciscana de padres alemães, Missão São Francisco do Cururu. Este campo de
pouso serviria de retaguarda para Jacareacanga. Contudo, no dia 25, aeronaves
PA-10 Catalina do 1º Esquadrão do 2º Grupo de Aviação desceram aí, ocupando o
campo e desembarcando uma força de 40 homens. Levando, assim, a ameaça das
forças legalistas às portas do QG de Jacareacanga.
Diante da ameaça tão próxima,
Lameirão voou para Pimental e lançou uma mensagem para
Velloso, informando do ocorrido e solicitando seu retorno para Jacareacanga.
Nova tentativa de chamar Velloso de volta ocorreu no dia 27, quando o mesmo
estava em São Luis (do Tapajós), mas não foi possível o
contato. Nesta noite ocorreu o choque direto das tropas legalistas com o grupo
de Velloso, levando a morte de um de seus seguidores, Cazuza, metralhado pelas
costas.
Isolados em Jacareacanga e sem
contato com seu líder, os revoltosos presenciaram, no dia 28, bombardeiros
lançarem panfletos aconselhando a rendição e exortando a população a deixar
Jacareacanga. Também neste dia um B-25 metralhou o terminal de passageiros do
aeródromo. O Brigadeiro Cabral, comandante da Força Tarefa, sobrevoou
Jacareacanga no comando de um Beech para falar com Vitor e Lameirão e
convencê-los a se render antes do ataque àquela localidade. No entanto, como
não tinham contato ainda com seu líder, não quiseram decidir, queriam esperar
mais um dia para que desse tempo para ele chegar, caso contrário consideravam uma
traição se entregar sem nem mesmo saber quais eram as novas ordens de Velloso.
Revoltosos acuados - O dia 29 de
fevereiro era o dia D para Jacareacanga. O Brigadeiro Alves Cabral comandaria o
ataque pessoalmente. De Santarém decolavam os Catalinas que levavam as tropas
de pára-quedistas (para desembarque anfíbio) e os B-25 carregados de bombas e
munição para as metralhadoras. Às 10 horas o Brigadeiro Alves estava sobre
Jacareacanga no comando do Beechcraft para saber a posição de Lameirão e Vitor,
caso não fosse a rendição comandaria o ataque a Jacareacanga.
Ainda sem uma posição de Velloso, os
revoltosos solicitaram mais um dia de prazo. Isso irritou o brigadeiro, que
mandou que iniciassem o ataque. Diversas ordens foram dadas via rádio,
inclusive metralhar a estação de passageiros, contudo só a pista foi
metralhada. As B-25 não lançaram suas bombas.
Diante dos rasantes e rajadas
disparadas das B-25, os caboclos que apoiavam os rebeldes partiram em retirada,
ficando Lameirão e Vitor apenas com 12 homens de confiança. Os três Catalinas
logo pousaram na água e desembarcaram 45 pára-quedistas, que eram comandados
pelo coronel Santa Rosa. Diante do sucesso do desembarque dos Catalinas, o
brigadeiro Cabral retornou para Itaituba para reabastecer.
Logo ao descer da aeronave, em Itaituba,
o Brigadeiro foi recebido por um caboclo que informava haver um homem loiro do
outro lado do rio se dizendo repórter. Não podia ser outra pessoa, senão Velloso.
Imediatamente foi enviada uma patrulha que seguiu na lancha do vigário local,
frei Vitorino. Uma hora depois retornaram com Velloso preso. O próprio
Brigadeiro Cabral levou Velloso, inicialmente para Santarém, no Beech 1512. O
líder rebelde foi escoltado todo o tempo pelo major Celso Neves.
Fuga para a Bolívia - Enquanto
Velloso voava preso, o capitão Lameirão e o major Vitor empreendiam uma fuga
espetacular no C-47 que permanecera camuflado até o momento da desobstrução da
pista e rápida decolagem. A medida que a aeronave ganhava velocidade os galhos
de arbustos que camuflavam a aeronave iam se desprendendo pelos ares. Uma B-25
que patrulhava o aeródromo tentou persegui-los, mas conseguiram se camuflar nas
nuvens e despistá-la. Mil e quinhentos quilômetros a frente, pousariam em Santa
Cruz de La Sierra para o exílio na Bolívia.
Veloso, posteriormente foi conduzido
para Belém, onde respondeu a Inquérito Policial Militar e, depois, para o Rio
de Janeiro, onde foi preso. No dia seguinte a sua prisão em Itaituba, Jucelino
Kubtschek enviou para o Congresso o anteprojeto de uma lei de anistia política
para todos que houvessem conspirado contra o governo desde 10 de novembro de
1955. A qual beneficiaria o próprio Velloso. Sendo anistiado, retornou às
fileiras da FAB, servindo até o posto de brigadeiro, requerendo sua entrada
para a reserva remunerada em 1964, após o Golpe Militar.
Quem falhou na hora H? - Havia diversos
rumores de muita gente envolvida com a revolta, Brigadeiro Eduardo Gomes, o
General Juarez Távora, muito oficiais da Marinha, Exército e Aeronáutica.
Contudo, esta versão nunca se confirmou. Pelo contrário, já no exílio na
Bolívia, o capitão José Chaves Lameirão informou ao seu entrevistador,
jornalista Jorge Ferreira (O Cruzeiro) que nem mesmo conhecia estas
personalidades pessoalmente, muito menos que eles tivessem um comprometimento
com esta revolta especificamente.
Na entrevista Lameirão fez questão de
delimitar bem os motivos que os levaram a pegar em armas, ou seja, o estado
deplorável de corrupção em que o governo Brasileiro estava metido e que levara
ao suicídio de Vargas em 1954. Na verdade, após esta data os ânimos militares
fervilharam cada vez mais. Nas palavras de Haroldo Velloso (para o jornalista
Arlindo Silva, O Cruzeiro) enquanto se encontrava no seu QG improvisado em
Santarém, a grande oportunidade se deu em agosto de 1955, por ocasião da
célebre reunião no Clube da Aeronáutica, com a presença dos Ministros Lott,
Amorim do Valle e Eduardo Gomes, quando o General Canrobert Pereira da Costa
fez seu histórico discurso político-militar.
Certo é que naquele momento a revolta
ou revolução já existia intrinsecamente no pensamento e imaginário da maioria
dos militares brasileiros. Era um momento de quase geração espontânea de
levantes em diversas partes do país e nos mais diversos setores, não só
militar. Ocorre que o tempo passou e esta geração espontânea não ocorreu.
Portanto faltava apenas um pequeno empurrão para que eclodisse de maneira
irreversível. E este empurrão era a ideia central de Velloso e Lameirão.
Ainda utilizando-se das palavras de
Lameirão no exílio, os revoltosos não foram traídos na hora H, não falharam com
eles porque não havia um compromisso prévio. Embora informasse que tiveram
algumas falhas, como a de dois civis que deveriam fazer o link entre as
diversas bases. Estes civis não tiveram seus nomes revelados.
Analisando-se de fora, e passados 60
anos, percebe-se que o sigilo mantido por Velloso e Lameirão, o que é sempre
importante em movimentos que podem ser desbaratados antes da eclosão, neste
caso os prejudicou, pois seus próprios companheiros de ideais foram pegos de
surpresa e permaneceram inertes e, principalmente: sem compromisso com a causa!
Outro fato que chama a atenção é a
inexistência de uma grande patente na direção do movimento que fosse capaz de
arrastar os indecisos. Certo é que muitos oficiais generais comungavam da mesma
cartilha, mas estes também foram pegos de surpresa e não tinham o
comprometimento com a causa. Corrobora com esta ideia o fato de Velloso ter
declarado em Santarém que ele não estava na direção do movimento (e efetivamente
estava e teve de assumi-lo em seguida). Certamente era uma maneira de oferecer
a direção do movimento a alguma autoridade militar de grande patente. Daí
também a origem dos boatos de que havia generais que o traíram na hora H.
Crepúsculo -
Resumindo esta fantástica história, pode-se dizer que Haroldo Velloso
personificou o pensamento político-militar de sua época, comprovado pela
sucessão de fatos ocorridos entre 1956 e 1964. É certo que lhe faltou o
apoio na hora H, mas escreveu, com a ajuda de alguns poucos correligionários as
primeiras páginas da história que marcaria o Brasil durante toda a segunda
metade do século XX.
Foi herói do desbravamento da
Amazônia até 1956, foi herói e criminoso naquele ano, passou a ser o herói que
se tentava esquecer nos anos que se seguiram, finalmente entrou para a história
como herói a ser lembrado por tudo que fez durante toda a sua vida militar e na
reserva.
Hoje em dia, uma de suas monumentais
obras, a base de Cachimbo, cuja pista fundou em 20 de janeiro de 1954, leva seu
nome (rebatizada em 1995): Campo de Provas Brigadeiro Velloso. Um visitante
neste baluarte da Força Aérea na Amazônia Meridional poderá ver, ainda hoje, em
pose imponente, dirigindo seus subordinados, o major Haroldo Coimbra Velloso!
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