SÃO PAULO - Uma semana depois do massacre que deixou 56 mortos
no Amazonas, o governo estadual resolveu rever uma decisão e 'reconhecer a
validade' de multas que somam R$ 11,7 milhões e foram aplicadas em outubro de
2015 para penalizar duas empresas contratadas para atuar no sistema
penitenciário, a Umanizzare Gestão Prisional e a Auxílio Agenciamento de
Recursos Humanos. As punições ocorreram devido a questões como fuga, motins e
rebeliões de presos.
A decisão aparece em uma
portaria publicada no Diário Oficial do Estado do Amazonas da última
segunda-feira. Pela publicação, a Secretaria de Administração Penitenciária
informa ter 'prerrogativa de rever seus atos a qualquer tempo', o que dá margem
à interpretação de que as multas chegaram a ser suspensas. Em seguida, o texto
reconhece a validade de três portarias que tratam das multas.
Estão no pacote 17 multas,
todas devido ao descumprimento de cláusulas previstas em contratos assinados
pelas duas empresas com o governo. Segundo os procedimentos administrativos do
governo, a Umanizzare e a Auxílio recorreram de cada penalização, mas não
apresentaram "qualquer argumento plausível que justificasse a não
aplicação da pena imposta".
As multas contra a Umanizzare
somam R$ 9,8 milhões e envolvem quatro contratos diferentes firmados a partir
de 2013 com as secretarias de Justiça e Administração Penitenciária. A empresa
atua em cinco presídios. No Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), onde
ocorreu o massacre, a empresa é responsável pela administração da unidade.
As 11 punições que a
empresa recebeu variam de 2% a 10% dos valores dos contratos. Em um deles, o
002/2014, a empresa chegou a ser multada cinco vezes, duas delas com valores
superiores a R$ 2,7 milhões.
Em outros dois casos, a
multa é de 2% do valor do contrato, porcentagem prevista para casos em que
empresa fosse responsabilizada por fugas, rebelião e motins de presos. Já as
multas de 10% são previstas em situações em que for constatada a 'inexecução
parcial da obrigação assumida'.
Nesse contrato de 2014, a
prestação de serviços ocorre no Instituto Penal Antonio Trindade (Ipat). Em
outro caso, se refere à Unidade Prisional Puraquequara (contrato 20/2013). Em
relação ao Compaj, alvo do contrato 18/2014, há pelo menos uma multa aplicada
contra a empresa. Na punição de outubro de 2015, a infração contratual envolve
controle de empregados, para que não houvesse interrupção da prestação de
serviços na unidade.
Esse problema chegou a ser
mencionado também em um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate
à Tortura, de janeiro do ano passado. Durante uma vistoria no complexo, peritas
constataram falta de funcionários. "É importante destacar que foram
obtidos relatos que apontam para um descumprimento contratual: apenas 153
funcionários estavam trabalhando, enquanto 250 estão previstos no contrato
firmado para a gestão do Compaj", diz o documento.
Já no caso da Auxílio, as
seis multas contra a empresa se referem a descumprimento em quatro contratos
firmados entre 2008 e 2011. Ao todo, as infrações, que variam de 03% a 2% do
valor do contrato, somam R$ 984 mil.
Procurado na terça-feira,
por e-mail, e nesta quarta-feira, por telefone, para falar sobre o assunto, o
governo do Amazonas não se pronunciou.
A Auxílio, que teria
deixado de prestar serviços no Amazonas em 2013, não foi localizada. Na semana
passada, a assessoria da Umanizzare chegou a ser indicado ao GLOBO para tratar
de questões da Auxílio. A assessoria, porém, informou que não responderia pela
empresa.
Umanizzare e Auxílio, que
doou R$ 300 mil à campanha de 2014 do governador do Amazonas José Melo,
pertencem a um mesmo grupo. Elas integram um total de 12 empresas, ligadas à
família do presidente da Federação do Comércio do Ceará (Fecomércio-CE), Luiz
Gastão Bittencourt, que dominam a gestão de cadeias no estado.
A Umanizzare afirma que as
multas “são fruto da equivocada interpretação entre o papel do Estado e da
empresa privada no modelo de cogestão no sistema prisional”. Em nota, a empresa
diz que “foram abertos 11 processos sancionatórios, nos quais a empresa foi
multada arbitrariamente, sem qualquer direito de contestação ou defesa”.
A empresa segue afirmando
que “cumpre rigorosamente todas suas atribuições contratuais, dentro dos claros
limites legais e buscará todas as vias para provar a legalidade de suas ações”.
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