
Rodolfo Stuckert

Senado e Câmara: ideias diferentes para a reforma do Código Penal.
O Código Penal (Decreto-lei 2.848/40)
em vigor é de 1940. Naquela época, não havia clonagem de cartões, roubo
de dados de computadores, bullying, crime organizado. Para adequar a
lei aos novos tempos, duas comissões diferentes estão em funcionamento
no Congresso. O Senado optou por uma comissão de juristas para elaborar
um novo código, enquanto a Câmara apostou em uma reforma fatiada da lei
atual para reequilibrar as penas.
As duas propostas têm alguns pontos em
comum. Ambas criminalizam o enriquecimento ilícito - que é acumular
bens incompatíveis com o rendimento ou o patrimônio - e diminuem as
penas para furto simples – casos em que não há violência. Também
pretendem descriminalizar o porte de drogas, desde que a quantidade
apreendida corresponda a cinco dias de consumo.
O texto da Câmara, no entanto, é mais
rigoroso em relação a assassinatos e crimes contra a administração
pública, aumentando as penas e criando novos agravantes. Já o do Senado
amplia o número de delitos existentes, criminalizando algumas condutas
que hoje são contravenções penais e incluindo normas sobre direito
cibernético, terrorismo e trânsito, entre outros.
Mudanças amplas
O
novo Código Penal em tramitação no Senado foi elaborado por uma
comissão de juristas chefiada pelo ministro do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) Gilson Dipp. Para ele, a lei atual, que já tem 72 anos,
deveria ser “aposentada compulsoriamente”.
“[O
código atual] foi elaborado durante um período em que as garantias
democráticas não eram tão claras, num período em que não havia a
criminalidade organizada internacionalmente, em que o tráfico de
entorpecentes não atingia nem de perto a dimensão que tem hoje”,
analisa.
Esse novo código criminaliza condutas
que hoje não existem na lei e agrupa em uma só norma todas as
disposições que tratem de matéria penal, ou seja, inclui no projeto
temas tratados atualmente por cerca de 130 a 140 leis especiais, como a
das drogas e a de crimes ambientais, entre outros. O projeto tem 543
artigos, 182 dispositivos a mais do que a lei atual.
O ministro explica que a comissão
entregou ao Senado um projeto que trata de todos os comportamentos
passíveis de punição. “Isso facilitará o trabalho dos juízes, do
Ministério Público e dos advogados, e também fará com que o cidadão
saiba, com linguagem clara e acessível, qual a conduta lhe é proibida.”
Arquivo/ Gustavo Lima

Molon quer mais rigor para crimes violentos e penas mais brandas para crimes leves.
Reforma pontual
A
Câmara, por outro lado, discute uma reforma pontual no Código Penal,
elaborada pela Subcomissão de Crimes e Penas, que faz parte da Comissão
de Constituição e Justiça e de Cidadania. A subcomissão propõe pequenas
mudanças no código e em outras leis penais para reequilibrar as punições
da lei.
Segundo o relator, deputado Alessandro
Molon (PT-RJ), enquanto o Brasil tem pena mínima de seis anos para
assassinato - uma das mais baixas do mundo -, o código em vigor pune com
dez anos de prisão a cabeleireira que vender um xampu diluído com água
ou falsificar um batom.
“Queremos oferecer ao País uma
legislação penal mais justa, que puna mais duramente os crimes violentos
e os cometidos contra a administração pública e trate de maneira menos
grave os crimes mais leves, como furto simples. Não tem sentido que uma
pessoa que furte um saco de farinha no supermercado tenha de ficar presa
enquanto responde ao processo”, argumenta.
Sem polêmica
A estratégia da Câmara foi tentar se
afastar de temas com grande resistência, para que a proposta seja
analisada com mais facilidade. Isso porque o projeto do Senado, que
amplia os casos de aborto legal, já tem a oposição declarada dos
parlamentares religiosos.
Arquivo/Leonardo Prado

Campos: incluir tantos assuntos polêmicos num projeto adia e dificulta sua aprovação.
O coordenador da Frente Parlamentar Evangélica,
deputado João Campos (PSDB-GO), disse que o novo código, da forma que
foi apresentado pelos juristas, não será aprovado pelo Senado nem pela
Câmara. “Fazer questão de inserir todas as polêmicas em um só projeto é
criar barreiras para não vê-lo aprovado amanhã”, afirma Campos.
Para Molon, é mais importante investir
em uma reforma que tenha condições de ser aprovada do que tentar
discutir um projeto com a pretensão de resolver todos os problemas da
legislação. “O ótimo é inimigo do bom. É melhor uma reforma mais enxuta
que enfrente as dificuldades, ainda que fiquem outros problemas para
serem resolvidos depois.”
O deputado Ronaldo Fonseca (PR-DF)
concorda com Molon: “Não é porque sou deputado que vou defender o que
está na Câmara, mas acho quase impossível aprovarmos uma reforma do
Código Penal da maneira como está sendo apresentada no Senado. Da forma
como está na Câmara, fatiada, é o que a sociedade precisa neste
momento.”
Na avaliação do presidente da comissão
de juristas, ainda que uma reforma pontual possa ser aprovada mais
facilmente, apenas um novo código vai adequar a lei aos novos tempos.
“A comissão da Câmara apenas
aperfeiçoou os tipos penais e fez uma equalização das penas. É muito
mais simples. Agora, eu pergunto: isso vai resolver a situação do
Direito Penal no Brasil ou estamos apenas empurrando para o futuro algo
que pode ser debatido e aprovado hoje?”, questiona Dipp.
No Senado, o projeto do novo Código
Penal está sendo analisado por uma comissão especial. A proposta da
Câmara ainda precisa ser aprovada pela Subcomissão de Crimes e Penas
para começar a tramitar.
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