Polícia leva testemunhas à boate Kiss e faz reconstituição do incêndio

Polícia leva testemunhas à boate Kiss e faz reconstituição do incêndio. Cinco pessoas voltaram ao local e relembraram momento do início do fogo. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress)
Policial acompanha testemunha durante reconstituição (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress)

Cinco pessoas voltaram ao local e relembraram momento do início do fogo.
Polícia afirmou que testemunhas relataram que extintor não funcionou.

Cinco testemunhas foram levadas à boate Kiss, nesta quarta-feira (30), para fazer uma reconstituição do incêndio que matou 235 pessoas na madrugada de domingo (27), em Santa Maria. Segundo a Polícia Civil, todos afirmaram que o ponto de origem do fogo foi no teto do palco.
“Foi uma breve reconstituição com objetivo de esclarecer algumas dúvidas que estão surgindo no inquérito. Todos afirmaram que o fogo começou no mesmo lugar, no teto, do lado direito do palco, onde o vocalista da banda fazia o show pirotécnico”, afirmou o delegado Sandro Meinerz, um dos responsáveis pela investigação. “Todos os indícios apontam que o sputnick [sinalizador] causou o incêndio”, disse ele.
Conforme a polícia, as testemunhas também foram unânimes em afirmar que o extintor de incêndio que estava do lado direito do palco foi acionado, mas não funcionou. Eles afirmaram ainda que a fumaça demorou entre 40 segundos e um minuto para tomar conta de toda a boate.
“Certamente, a espuma funcionou facilitando a propagação rápida da fumaça porque não era da especificação adequada para o revestimento do local. A espuma foi trocada na metade do ano. Um funcionário que admitiu isso à polícia”, disse o delegado Meinerz. “Foi feito de forma amadora e ingênua”, acrescentou o delegado regional, Marcelo Arigony.
Donos formais da boate
Nesta quarta-feira foram ouvidas mais 14 pessoas, entre elas duas mulheres: a mãe e a irmã de Elissandro Spohr, que emprestaram o nome para a construção do contrato e são as sócias formais da Kiss. "Na verdade, elas emprestaram o nome.  A mãe inclusive era funcionária, recebia salário para trabalhar lá”, segundo o delegado Arigony.
A polícia diz ter um contrato de gaveta que é a prova da ligação de Mauro Hoffmann, um dos sócios presos, com a boate. Segundo a polícia, as sócias formais afirmaram em depoimento que ele participava ativamente do gerenciamento, inclusive tendo reuniões periódicas com os demais sócios.

"Documentos começaram a chegar, como do registro de imóveis, cartório, temos que descobrir todas as intercorrências que houve desde que aquela casa foi construída. Já temos mil páginas no inquérito", diz o delegado. Tanto a prefeitura quanto o Corpo de Bombeiros já enviaram as respostas.

A polícia espera até sexta-feira, quando vence a determinação judicial que determinou a prisão temporária de 5 dias, que tenha provas para pedir a prorrogação das prisões. “A investigação caminha para isso”, disse Arigony. “A prisão deles era imprescindível para que as investigações ocorressem sem interferências, para preservar os locais e as testemunhas”, acrescentou.
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, deixou 235 mortos na madrugada do último domingo (27). O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. De acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores, é possível afirmar que:
- O vocalista  segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era comum a utilização de fogos pelo grupo.
- A banda comprou um sinalizador proibido.
- O extintor de incêndio não funcionou.
- Havia mais público do que a capacidade.
- A boate tinha apenas um acesso para a rua.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido.
- Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros.
-  90% das vítimas tiveram asfixia mecânica.
- Equipamentos de gravação estavam no conserto.
(Veja o que já se sabe e as perguntas a responder)
Prisões
Quatro pessoas foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços.
Investigação
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao G1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.
O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.
Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.
O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.
Responsabilidades
A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como isolamento acústico.
A Brigada Militar informou nesta quarta que a boate não estava em desacordo com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em "plenas condições" de receber a festa. Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o local "diversas vezes".
A Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de 2012.
O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e sanitária vencidas.
g1.com.br/rs.

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