Sobreviventes, militares e moradores falam sobre resgate de vítimas no RS.

Guilherme (à esquerda) tenta quebrar parede com marreta (Foto: Reprodução/TV Globo)
Guilherme (à esquerda) tenta quebrar parede com
marreta em incêndio (Foto: Reprodução/TV Globo)

Leia relatos de quem arriscou a vida para tentar resgatar vítimas em boate

Fogo em boate deixou 231 mortos domingo; mais de 100 estão internados.

Relatos de pessoas que tentaram resgatar vítimas do incêndio na Boate Kiss, na madrugada de domingo (27), em Santa Maria (RS), evidenciam as dificuldades de salvamento em meio à fumaça, o calor e o pânico dentro da casa noturna.
As declarações mostram as dificuldades do público em sair da casa noturna pela única porta e apontam que muitas vítimas morreram tentando encontrar uma saída.
O G1 reuniu depoimentos sobre gente que conseguiu escapar e ainda ajudou no socorro a outros frequentadores, assim como moradores, trabalhadores e militares que se arriscaram para salvar o maior número possível de vidas.

O estudante do último semestre do curso de zootecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) estava na festa, saiu da boate após o início do incêndio e ajudou a derrubar a parede a marretadas, na tentativa de facilitar o resgate de vítimas que estavam no local.
Gilmar Bernardi, padrinho do jovem, disse que Guilherme ligou para a família depois de ajudar as vítimas e contou que estava bem, sem ferimentos. Na manhã após a tragédia, ele começou a se sentir mal. À tarde, foi entubado e encaminhado para o Centro de Terapia Intensiva (CTI), sendo levado em seguida para Porto Alegre.
O boletim médico, divulgado na segunda, dizia que o quadro de saúde era estável e que Guilherme havia apresentado melhora. Os médicos esperavam ele deixar o CTI para liberar a transferência do estudante para a cidade da família, Chapecó (SC).

[...] O pessoal já estava correndo, a fumaça levantando, aí não o vi mais, estava tudo escuro, era uma fumaceira"
Eliel de Lima, sobre a tentativa de salvar
Danilo Jaques, seu companheiro de banda
Baterista tocava no momento do incêndio e tentou salvar o gaiteiro da banda (Foto: Giovani Grizotti/ RBS TV) 
Baterista tocava no momento do incêndio e tentou
salvar companheiro (Foto: Giovani Grizotti/ RBS TV)
Eliel de Lima, de 31 anos
Baterista do grupo Gurizada Fandangueira, que se apresentava na boate no momento em que o incêndio teve início, contou que desamarrou as alças da sanfona do colega de palco, Danilo Jaques, morto na tragédia.
Ele falou que foi o último músico a deixar o palco e que, nessa hora, seu companheiro estava ao lado da porta do banheiro, ainda preso à sanfona, e que o ajudou a se livrar do instrumento.
Depois disso, ele saiu correndo em direção à saída e esperou em um estacionamento em frente à casa noturna a chegada dos outros companheiros da banda. Danilo, no entanto, não voltou.
"A gente saiu mal, no meio da fumaça, tive dor no peito", contou o baterista. "O sentimento é muito triste. Perdemos um amigo, não podemos mais falar com ele".

Era questão de vida ou morte"
Pedro Elias Pairé de Oliveira, taxista
Pedro Elias Pairé de Oliveira usou o táxi como ambulância para socorrer intoxicados pela fumaça (Foto: Paulo Toledo Piza/G1) 
Pedro Oliveira usou o táxi como ambulância para
socorrer intoxicados (Foto: Paulo Toledo Piza/G1)
Pedro Elias Pairé de Oliveira, de 47 anos
O taxista ouviu um estrondo enquanto trabalhava nas ruas de Santa Maria e chegou na Boate Kiss minutos depois do início do incêndio. Ele contou que viu dezenas de jovens saírem cambaleantes da casa noturna e, logo depois, sobreviventes "arrastando outras pessoas para fora".
Ao perceber que as ambulâncias não dariam conta de levar todas as vítimas para os hospitais, Oliveira decidiu carregar pessoas que estavam na calçada e tossiam devido à fumaça inalada. "Era questão de vida ou morte".
Em duas viagens, Pedro levou cinco pessoas para o hospital. Colegas seguiram o exemplo e também disponibilizaram seus táxis. "Eu voltei para tentar ajudar, mas isolaram a rua quando voltei na terceira vez".

Nem em guerra deve ser tão triste, porque as pessoas não tiveram nenhuma chance"
Alberto Tessmer, que ajudou no resgate
Bombeiros tentam apagar o fogo no interior da boate (Foto: Germano Roratto/Agência RBS) 
Bombeiros tentam apagar fogo no interior da boate
Kiss, no RS (Foto: Germano Roratto/Agência RBS)
Alberto Tessmer, de 35 anos
O ex-bancário passeava com amigos pela região da boate Kiss quando notou os primeiros carros de bombeiros chegando ao local. "Pensei que era alguma brincadeira e comecei a tirar fotos. Mas logo me apavorei com o número de pessoas, larguei a máquina e comecei a ajudar", relatou à BBC Brasil.
Ele contou que começou a puxar pessoas inconscientes para fora da porta, de cerca de dois metros de largura. "Engatinhamos pela entrada e íamos tropeçando em pessoas [...] Conseguimos tirar cerca de 25 pessoas. Duas estavam mal, mas ainda raciocinavam. Mas pelo menos umas oito eu acredito que já estivessem mortas"
Tessmer disse que a fumaça impediu ele e outras pessoas que faziam o resgate de ir longe e contou que a porta era a única saída possível para os frequentadores da boate.

Ele morreu como um herói. Voltou para boate para salvar mais três vidas e acabou não conseguindo sair de lá"
Marcelo Moreira, amigo e vizinho da família
tenente_exercito_morto_300 (Foto: Reprodução) 
Segundo testemunhas, Leonardo voltou ao interior
da boate para salvar pessoas (Foto: Reprodução)
Leonardo Machado de Lacerda, 28 anos
Conforme o relato de testemunhas que participaram do resgate na boate, o oficial do Exército conseguiu sair do local no início do incêndio, mas retornou em seguida para tentar tirar as pessoas que não estavam conseguindo sair.
"Pai nenhum deve receber a noticia da morte do seu filho. Ele morreu como um herói. Voltou para boate para salvar mais três vidas e acabou não conseguindo sair de lá", disse Marcelo Moreira, amigo e vizinho da família há 18 anos.
O corpo de Leonardo foi cremado no final da tarde de terça (28), no cemitério do Caju, no Rio de Janeiro
Natural do Rio de Janeiro, ele era formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) em 2007 e tinha sido transferido para Santa Maria há 15 dias. Morava na cidade e servia no 4º Regimento de Carros de Combate, em Rosário do Sul.

Tirei mais de 180 pessoas dos banheiros. Eles estavam tentando fugir pelos banheiros”
Edi Paulo Garcia, da Brigada Militar
Capitão da Polícia Militar participou da retirada das vítimas do interior da boate (Foto: Reprodução/TV Globo) 
Capitão da Polícia Militar participou da retirada das
vítimas do interior da boate (Foto: Reprodução)
Edi Paulo Garcia
Foi um dos primeiros a chegar ao local da tragédia e disse que se deparou com uma "cena terrível, triste de ver".
“Logo que cheguei ao local era um caos, muita fumaça, muita gente, várias viaturas", disse em entrevista durante o Domingão do Faustão do último domingo.
Ele afirmou que a maioria das vítimas fatais do incêndio que atingiu a boate em Santa Maria tentou escapar pelo banheiro da casa noturna, sem saber que lá não havia saída. "A cena é triste de ver. São muitos jovens lá, o espaço era muito pequeno".
Garcia contou que foram necessários mais de um carregamento para levar todos os corpos para o local do reconhecimento. "Foram cinco vezes que o caminhão foi utilizado para retirar esses corpos [...] A cena é muito triste".

Parecia que tinha caído um avião. Mal dava para acreditar"
Cristian Edgard Hoerlle, voluntário no velório
Cristian trabalhou quase um dia sem parar em velório de vítimas do incêndio (Foto: Paulo Toledo Piza/G1) 
Cristian trabalhou quase um dia sem parar em
velório de vítimas (Foto: Paulo Toledo Piza/G1)
Cristian Edgard Hoerlle, de 26 anos
Longe da cidade na hora da tragédia, o estudante de Administração voltou para Santa Maria no domingo e caminhou por cerca de 23 horas entre parentes das vítimas do incêndio que estavam no velório coletivo, realizado no ginásio de esportes.
Apesar das dores nas panturrilhas e nos braços, o jovem pensava apenas em ajudar quem perdeu familiares e amigos na tragédia. "Mentalizei: qual meu objetivo? É levar água e alimentos aos que estão velando seus entes queridos", disse o voluntário.
O esforço, tanto físico quanto emocional, foi enorme. Por volta das 17h de segunda, enquanto os últimos corpos eram velados, ele sentiu uma forte cãibra em uma das pernas e caiu. Ao se levantar, percebeu que não dava para continuar. "Dormi 13 horas seguidas. E ainda estou com sono".

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