Ainda estão só no começo as
consequências da irresponsabilidade que causou um dos maiores desastres
ambientais e humanos do Brasil, no último dia 6, no porto de Vila do Conde,
município de Barcarena, no Pará, a 55 quilômetros de Belém.
O navio libanês Haidar, que naufragou há 13 dias, ainda se encontra
emborcado próximo ao píer de acostamento, tendo no seu interior cerca de 4.400
bois em elevado estado de decomposição, juntamente com 750 mil litros de óleo
combustível supostamente ainda contidos nos tanques da embarcação que levaria a
carga viva para a Venezuela, exportação que ocorre há vários anos. Como, com
que tecnologia, quando, a que custo ambiental e humano será retirada essa carga
macabra do interior do navio?
Dos 4.900 bois que já estavam
embarcados, em torno de 500 logo saíram dos porões do Haidar, perto de 100
vivos e outros 400 mortos que, de alguma forma, foram despejados nas águas do
Rio Pará, infestando as praias e levando a tragédia a mais de 16 mil famílias
que sobrevivem da pesca e do pequeno comércio que se realiza nas praias da
região, muito procurada por banhistas. O mau cheiro, proveniente dos gases que
infestam a imensa área, são a grande ameaça à saúde pública e às águas dos rios
que se interligam com o Rio Pará e os incontáveis igarapés das redondezas.
Se “apenas” 400 animais mortos já
causam tão monstruoso sofrimento, é de se imaginar o que poderá acontecer
quando começarem a remexer o casco do navio emborcado, se isso não for um
trabalho altamente especializado, por empresa idônea. Da parte das
“autoridades” o que se percebe é uma tremenda desconexão de ações, pela
ausência de real preocupação com o que está acontecendo quase dentro de Belém,
cujas águas estão sujeitas a grave contaminação. Até quando vai perdurar esse
pesadelo? Com certeza, não serão meses, mas anos serão necessários até uma
provável reparação dessa monumental tragédia.
Representantes da Federação das
Indústrias do Estado do Pará, assim como membros do governo do Estado, dizem
que o porto de Barcarena não pode ser embargado enquanto se realizam os
trabalhos de limpeza da região, porque isso irá prejudicar o Estado, na forma
de redução de exportações e arrecadação. Para essa gente os milhares de
famílias brutalmente retiradas de suas casas e com seu sustento impedido pela
contaminação, essas famílias não são “o Estado”. Pensam as “autoridades” apenas
no dinheiro que eventualmente deixariam de embolsar numa eventual interdição
temporária do porto de Barcarena.
Dimensão imensurável
Segundo se lê em O Liberal do dia 14,
“Em 15 dias esse material em decomposição deve chegar aqui a Belém, porque a
poluição não vai ficar restrita a Barcarena”. O alerta é da pesquisadora Simone
de Fátima Pinheiro, coordenadora do Laboratório de Química Analítica e Ambiental
(Laquanam), da Universidade Federal do Pará (UFPA). Em entrevista ao Portal ORM
News, a professora disse que o naufrágio em Barcarena tem uma ‘dimensão
imensurável’ e que não há um plano emergencial para lidar com o problema. “O
que estou percebendo é que as ações estão sendo lentas, isso se dá pelo fato de
que as empresas e os poderes públicos não têm um plano de contingenciamento e
emergencial para saber lidar com mais esse dano ambiental em Barcarena. Parece
que ainda não se deram conta em proteger o meio ambiente e a população
ribeirinha que sobrevive dos rios”, completa. “Aquela barreira de contenção só
servia para segurar o óleo. Como não pensaram nos animais, uma hora ia romper”,
argumenta.
Lendo os jornais de Belém e vendo os
telejornais locais, não se percebe com clareza as causas do desastre. Nas
reportagens estão faltando algumas perguntas e respostas. Por exemplo: qual a
causa do naufrágio, ainda no porto, antes que o Haidar desatracasse? Os quase 5
mil bois estavam de que forma nos porões? O navio é apropriado para esse tipo
de transporte? A tripulação tem o devido preparo para manejar esse tipo de
carga viva?
O que há, entre outras informações, é
que a cada viagem desse tipo, com cargueiros levando bois vivos, cerca de 10%
dos animais morrem no caminho, em geral para a Venezuela e o Líbano. Se isso é
verdade, trata-se de um transporte de alto risco e que necessita de embarcações
e tripulantes especializados. Não é atividade para qualquer tipo de transporte.
Uma hipótese a ser comprovada nos
inquéritos policiais em andamento, mas que já deveria ter sido levantada pelos
jornalistas que cobrem a tragédia: o porão, ou os porões onde os animais foram
depositados, é um imenso salão ou é composto de compartimentos capazes de
impedir a movimentação em massa dos bois? Se não há compartimentos (o que seria
absurdo), espécies de mini-currais para pequenos lotes, ou se esses espaços são
insuficientes, pode estar aí uma explicação para o naufrágio, com a
possibilidade de uma grade quantidade de animais ter-se movimentado ao mesmo
tempo numa só direção, desequilibrando fatalmente o navio.
As reportagens têm-se fixado, em grande
parte, em informações de “autoridades”, as mesmas que se mostram atarantadas,
sem saber o que fazer diante do grave problema. E sem saber o que responder
diante de alguma pergunta de fundo. Falta nas reportagens a investigação
jornalística, ou seja, a observação do próprio jornalista e a procura de
pessoas que tenham conhecimento desse tipo de transporte, e há muitas delas.
Procurar pessoas que presenciaram o embarque, empregados do porto que
participaram da operação, moradores que eventualmente testemunharam o embarque
e que possam ter visto o interior do navio. Basta procurar. Baseando-se quase
somente em declarações de “autoridades” pouca informação a imprensa pode
oferecer à sociedade.
Vila do Conde
Vila do Conde fica no município de
Barcarena, próximo a Belém, e possui, hoje, um Complexo Alumínico, formado
pelas unidades da Alunorte (Alumina do Norte do Brasil S.A.), Albrás (Alumínio
Brasileiro S.A), Alubar (Alumínios de Barcarena S.A.) e um pólo caulinífero,
constituído pelas empresas Pará Pigmentos S.A e Imerys Rio Capim Caulim S.A.
Trata-se hoje do principal porto de
exportação do Pará, por onde saem também a soja e o milho do crescente
agronegócio do centro-oeste.
A tragédia envolvendo a mortandade
maciça de bois, no dia 6 de outubro, é o 18º desastre ambiental em Vila do
Conde, um risco permanente para a própria capital e seus mais de 2 milhões de
habitantes na zona metropolitana, muito próxima a Barcarena, e que se abastece
de águas de rios vizinhos, suscetíveis de grave contaminação.
É dessa forma que se instalam, no
Pará e na Amazônia, os tais “grandes projetos”, todos eles voltados para a
exportação de matéria prima sob a forma de bens naturais. No caso das
exportações de rebanhos inteiros, com os animais vivos, é mera exportação de
matéria prima, sendo que do boi nada se perde. Isso gera emprego nos países
importadores, deixando no Pará praticamente nada, além de uma meia dúzia de
empregos e contas bancárias recheadas dos fazendeiros que vivem dessa estranha
exportação, que deveria ser feita sob forma de carne frigorificada, como fazem
os Estados mais desenvolvidos do País.
Fonte: blog do jornalista e
professor Manuel Dutra
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