450 deputados votaram a
favor da cassação do mandato de Eduardo Cunha
Com 450 votos a favor, 10 contrários e 9 abstenções, a Câmara cassou
nesta segunda-feira o mandato do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
interrompendo a trajetória política de quase 25 anos daquele que se celebrizou
como o principal algoz de Dilma Rousseff no processo de impeachment. Com uma
carreira construída nas sombras do poder e que ganhou os holofotes nacionais
desde que assumiu a presidência da Câmara, no ano passado, Cunha, que
colecionou inimigos na vida política e ontem se viu abandonado por praticamente
todos os partidos, passará agora a enfrentar o seu mais temido adversário: o
juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná. Com a decisão da Câmara,
Eduardo Cunha fica inelegível até 2027.
Cunha é o segundo presidente da Câmara cassado (o primeiro foi
Ibsen Pinheiro) e o terceiro deputado desde que o voto para este tipo de sessão
passou a ser aberto. Os outros foram André Vargas (ex-PT-PR) e Natan Donadan
(ex-PMDB-RO). Desde que o Conselho de Ética foi criado em 2001, foram sete
deputados cassados, incluindo o peemedebista.
Ao fim da sessão, Cunha deu uma entrevista coletiva na qual culpou
diretamente o governo Temer pela derrota. Segundo ele, o assessor especial
Moreira Franco agiu como “eminência parda” na articulação da eleição de Rodrigo
Maia (DEM-RJ), de quem é sogro, para a presidência da Câmara.
— Eu culpo o governo hoje, não que o governo tenha feito alguma coisa
para me cassar. Mas quando o governo patrocinou a candidatura do presidente
(Rodrigo Maia) que se elegeu em acordo com o PT, o governo, de uma certa forma,
aderiu à agenda da minha cassação. O governo hoje tem uma eminência parda, quem
comanda o governo é o Moreira Franco, que é o sogro do presidente da Casa. Ele
comandou uma articulação que fez com que tivesse uma aliança do PT — reclamou
Cunha, que prometeu recorrer à Justiça e escrever um livro relatando todas as
negociações de que participou a respeito do processo de impeachment.
— Eu não sou uma pessoa de fazer ameaças veladas, mas a sociedade merece
saber — afirmou.
Indagado se Temer deveria ter receio da obra:
— Leia meu livro que você vai saber.
A influência de Cunha em Brasília começou a ganhar força ainda no
segundo governo do ex-presidente Lula e chegou ao seu ápice no ano passado, ao
assumir a presidência da Câmara. A chegada ao cargo, que reforçou sua posição
na política, também trouxe a exposição que contribuiu para seu ocaso político,
apenas pouco mais de um ano e meio depois.
Com as denúncias, o tempo virou para Cunha e, de “presidenciável”, ele
passou a ser visto como deputado “cassável”. Resistiu por meses em deixar a
presidência da Câmara, mesmo após ter sido afastado pelo Supremo Tribunal
Federal (STF). Conhecido pela capacidade única de manobrar o Congresso, o que
lhe rendeu o recorde de 11 meses de duração do processo de cassação, na sessão
de ontem Cunha ainda tentou lançar mão do artifício.
Mas, logo no início da noite, ficou explícito que não conseguiria
escapar de seu destino, depois que as manobras regimentais foram todas
rechaçadas por um plenário que, dias antes, já anunciava sua inexorável
cassação, como mostrou enquete do GLOBO. A primeira tentativa fracassada foi de
não dar quorum na sessão, marcada com um mês de antecedência pelo seu ex-aliado
e sucessor no cargo, Rodrigo Maia. A segunda investida de seus aliados, de
garantir uma pena mais suave que a cassação, também naufragou.
Logo pela manhã, os boatos de que Cunha poderia renunciar, adiando a
votação, tensionaram o ambiente. A interlocutores, o deputado afastado negou
que fosse fazê-lo e cumpriu a promessa durante seu discurso em plenário.
Pontualmente às 19h de ontem, o presidente da Câmara abriu a sessão de
julgamento. Anunciou a presença de 326 deputados na Casa, mas decidiu, de
ofício, zerar o painel e suspender a sessão por uma hora, até que o quórum
fosse novamente atingido. A decisão provocou reação de adversários de Cunha em
plenário, mas Maia justificou que, por se tratar de um julgamento polêmico, não
queria dar margem a questionamentos.
Assim que a sessão foi reaberta, por volta de 20h30, Maia passou a
palavra ao relator do processo, Marcos Rogério (DEM-RO), que afirmou que não
foi uma “mentira inocente” o motivo da cassação aprovada:
— Não se tratou de mentira inocente. Houve prática de mentira descarada
com finalidade de atacar a Operação Lava-Jato e esconder crimes graves, como o
recebimento de vantagens indevidas no exterior. Ficou comprovado que o deputado
Eduardo Cunha tem, sim, conta, patrimônio e bens no exterior. Que as trustees são
empresas de papel, são laranjas de luxo para dissimular lavagem de dinheiro e
recebimento de propina — atacou o relator.
O advogado de Cunha, Marcelo Nobre, falou em seguida, negando as
acusações e apelando pela absolvição de seu cliente:
— O que vemos aqui nesta Casa é uma guilhotina posta em cima da mesa.
Chama-se precedente de linchamento. Não existem provas, porque a prova é
material. Ou há conta, ou não há. Se há conta, cadê ela?
Cunha chegou à Câmara com a sessão já em andamento, às 20h45. Utilizou
uma porta secundária e um esquema de segurança para impedir a aproximação dos
jornalistas. Com a sessão em andamento, um de seus mais fiéis aliados, Carlos
Marun (PMDB-MS), tentou a última manobra para adiar a votação, que foi
rejeitada.
PLANALTO MINIMIZA CONSEQUÊNCIAS
Antes da apresentação da questão de ordem de Marun, Cunha usou a tribuna
para fazer sua defesa aos colegas. O ex-presidente da Câmara usou um tom
apelativo para tentar convencer os colegas de cometeriam uma injustiça. Em
outros momentos, demonstrou irritação ao se dirigir a parlamentares do PT.
— É o preço que estou pagando para o Brasil ficar livre do PT. É a
verdade do que está acontecendo aqui. Estão me cobrando o preço de ter
conduzido o processo que não poderia ser conduzido por outro — disse Cunha,
acrescentando: — Eu não menti à CPI! Não tem a conta? Cadê a prova?
Mantendo a estratégia de tentar se descolar de Cunha, o Palácio do
Planalto minimizou o resultado da sessão. Para interlocutores de Michel Temer,
a rotina do governo pouco irá se alterar a partir de agora. A expectativa é
que, se houver mudança, será no sentido de estabelecer uma relação mais serena
com a Câmara, algo que já vinha sendo construído desde o afastamento de Cunha
pelo Supremo no início de maio, pouco antes de Temer assumir a presidência de
forma interina.
A SESSÃO QUE SELOU O DESTINO DE CUNHA
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), abriu a sessão
pontualmente às 19h, mas anunciou em seguida que ela seria suspensa por uma
hora até que o quórum fosse maior no registro do plenário. Maia informou que na
Casa estavam presentes 326 deputados e determinou que o painel do plenário –
que já registrava 203 presentes – fosse zerado. Os deputados tiveram que
refazer o registro. A decisão, tomada de ofício, foi criticada por deputados
adversários de Cunha.
A sessão foi retomada pouco mais de uma hora depois com a fala do
relator do processo, Marcos Rogério (DEM-RO), que sustentou que o
peemedebista não teve a cassação recomendada apenas por uma “mentira inocente”.
Ele sustentou que Cunha tinha intenção de ocultar seu patrimônio e o
recebimento de propina ao negar ter contas no exterior em depoimento na CPI da Petrobras.
– Não se tratou de mentira inocente. Houve prática de mentira descarada
com finalidade de atacar a Operação Lava-Jato e esconder crimes graves, como o
recebimento de vantagens indevidas no exterior – afirmou Rogério.
Ele afirmou que os trustes mantidos por Cunha na Suíça eram, na verdade,
“laranjas de luxo”.
– Ficou comprovado que o deputado Eduardo Cunha tem sim, conta,
patrimônio e bens no exterior. Ficou demonstrado que as trustees são empresas
de papel, são laranjas de luxo para dissimular lavagem de dinheiro e
recebimento de propina – disse o relator.
Ele ressaltou que Cunha era o responsável único pela gestão das contas.
– Eduardo cunha era tudo. Era contratante e contratado. Era ele que
tinha o controle total, da abertura e do fechamento das contas. Era ele quem
autorizava investimentos de riscos – afirmou Rogério.
O relator do caso ainda disse que “não é adequado premiar a esperteza”:
– “Não é adequado premiar a esperteza, em detrimento da verdade, ainda
mais em um processo em que se apura a conduta ética do parlamentar.
Em seguida, falou o advogado de Cunha, Marcelo Nobre. Ele disse,
repetidas vezes, que não havia provas contra Cunha e que não havia documentos
sobre a existência de contas do ex-presidente da Câmara na Suíça. Para o advogado, o
deputado afastado está sendo vítima de um “linchamento”.
— O que vemos aqui nesta Casa é uma guilhotina posta em cima da mesa.
Chama-se precedente de linchamento. Não existem provas, porque a prova é
material. Ou há conta ou não há. Se há conta, cadê ela? Esse precedente de
linchamento servirá como precedente para vários outros — disse Marcelo Nobre.
Nobre ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda está
analisando o processo contra Cunha.
— Se conta existe, como o STF ainda não julgou meu cliente? Esse
processo sempre foi natimorto: não tem prova nenhuma e nunca teve. Não estamos
tratando de certidão de idoneidade. O que estamos a pedir é um julgamento
justo. Esse processo deveria ser arquivado por falta de provas. O Supremo ainda
está a realizar a instrução. Como condenar alguém sem provas? — disse ele.
Fonte: O Globo
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