Rodovia Transamazônica abandonada pelo
governo Federal
Na
Amazônia, nenhuma intervenção humana provoca tantas mudanças como uma rodovia.
E nenhuma rodovia causa tanto impacto na maior floresta tropical do mundo como
a Transamazônica.
Pouco mais de 40 anos após a inauguração da estrada
símbolo da ditadura militar, a reportagem da Folha percorreu quase todo o seu
trecho amazônico, entre Lábrea (AM) e Altamira (PA). Do total de 1.751 km,
pouco menos de 10% estão asfaltados.
Tal qual ouroboros, a mítica serpente que morde o
próprio rabo, a Transamazônica parece andar em círculos desde que foi aberta,
sob o lema nacionalista de “Integrar para não entregar”.
Último município da rodovia, Lábrea (a 700 km em
linha reta de Manaus) é uma das mais novas e destrutivas frentes de
desmatamento ilegal, acompanhadas por grilagem e violência. A zona rural soma
sete assassinatos por disputa agrária em dez anos, segundo a Comissão Pastoral
da Terra (CPT).
Em Altamira (a 450 km em linha reta de Belém),
outra megaobra estatal, a hidrelétrica Belo Monte, vem aprofundando impactos
negativos na rodovia, como o encurralamento de populações indígenas e a
aceleração do desmatamento. A ameaça de violência é permanente.
Entre as duas pontas da rodovia, predominam na
paisagem pastos subutilizados, intercalados por unidades de conservação e
terras indígenas sob pressão de madeireiros e garimpeiros. As grandes queimadas
continuam no período seco, e, com a exceção de urubus, é raro avistar um animal
silvestre.
As cidades têm desenvolvimento humano abaixo da
média do país e são dependentes de repasses federais. A maioria sobrevive da
extração ilegal do ouro e da madeira, cujos lucros compensam os custos de
extração em remotas áreas protegidas. O saque se beneficia da repressão
esporádica – em duas semanas, a reportagem testemunhou só uma ação
fiscalizatória.
“Aqui é o mundo da ilegalidade”, afirma a irmã
franciscana Ângela Sauzen, que desde 1986 atua em Uruará (a 635 km de Belém),
onde até o prefeito é madeireiro. “Quem pode mais, domina.”
Com cortes orçamentários, órgãos como Funai
(índios) e Ibama (ambiente) diminuíram suas presenças na região. O Instituto
Chico Mendes tem 52 servidores para uma área pouco maior que o Paraná: 20,7 mi
de hectares, em 21 unidades de conservação.
Mas a estrada também reserva surpresas mais
agradáveis. À beira do rio Maici, os misteriosos índios pirahãs mantêm alguns
dos mesmos
hábitos relatados no primeiro contato com os
brancos, há três séculos, e se recusam a aprender português.
Em Medicilândia (a 540 km de Belém), maior produtor
de cacau do país, uma cooperativa que produz chocolate viu as perspectivas
melhorarem após a recente pavimentação da estrada até Altamira.
Em reservas extrativistas, comunidades têm superado
os desafios logísticos e de financiamento para viver da exploração da floresta
em pé por meio da castanha-do-pará e de outros produtos.
Fonte: Folha de S.Paulo e O Xingu
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