Após recursos do MPF e da DPU, Justiça reconhece direito de manifestação de indígenas na BR-163

Foto: Ari Maytapu/@citabt, via site Amazônia Real, em licença CC BY-ND 4.0

Rodovia está ocupada por indígenas, em protesto pela educação.

Após recursos do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), a Justiça Federal revogou parcialmente, nesta sexta-feira (24), decisão que determinava a desobstrução total do km 922 da rodovia BR-163, em Belterra, sudoeste do Pará.

No local, desde o último dia 16, manifestantes indígenas e não indígenas protestam contra a conversão de aulas presenciais em virtuais, após a aprovação da Lei Estadual nº 10.820/2024. Os manifestantes bloqueiam parcialmente a rodovia, liberando o tráfego em horários específicos.

Até que seja feito o diálogo intercultural com os indígenas – exigência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conforme o MPF apontou no recurso –, a Justiça permitiu a obstrução em dois períodos por dia, de 30 minutos cada, ficando livre o tráfico no restante da jornada diária.

Cargas perecíveis e veículos que trafegam levando pacientes em situações delicadas e graves de saúde deverão ter livre trânsito, inclusive nas horas de obstrução, determinou a Justiça Federal.

Para o cumprimento de desobstrução, se for necessário, nos períodos em que não está autorizada a obstrução, a força policial deverá ser usada com moderação, dando preferência ao diálogo, com o objetivo de evitar dano físico aos envolvidos, estabeleceu a nova decisão judicial.

A audiência para a realização do diálogo intercultural foi agendada para a tarde de próxima segunda-feira (27).

Argumentos do recurso – No recurso, apresentado à Justiça Federal na noite desta quinta-feira (23), o MPF questionou os fundamentos da primeira decisão judicial e alertou para os riscos de uma possível ação policial contra manifestantes indígenas.

O procurador da República Vítor Vieira Alves argumentou que a primeira decisão judicial não observou procedimentos essenciais para casos envolvendo comunidades indígenas. Entre os principais pontos citados estavam a ausência de diálogo interétnico e intercultural e a falta de oitiva prévia dos manifestantes e órgãos de proteção dos direitos indígenas, como o MPF e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

O MPF também registrou que a decisão não ponderou adequadamente o direito de manifestação em espaços públicos, conforme já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “As manifestações não perdem seu caráter pacífico pelo simples fato de bloquearem vias públicas em horários determinados”, apontou o MPF, que defendeu a primazia do direito à manifestação sobre o direito à circulação, em situações como essa.

O recurso pediu a suspensão da decisão até que seja realizado um diálogo respeitoso com os manifestantes, garantindo a participação do MPF, da Funai e da DPU.

Contra violência policial – O MPF destacou, ainda, o risco de violência contra os manifestantes indígenas, que são considerados hipervulneráveis. “Desconsiderando essa hipervulnerabilidade em benefício da União, a decisão, ao autorizar expressamente o uso da força policial, cria um ambiente propício para eventual repressão e até violência policial”, alertou o MPF.

Também para evitar a violência policial, nesta sexta-feira (24) o MPF enviou ofício a várias autoridades policiais requisitando, no prazo de 24 horas, os nomes e matrículas dos agentes de polícia que foram ou serão designados para o cumprimento da decisão judicial, incluindo as informações do chefe/responsável pelo comando da diligência.

O ofício foi encaminhado ao chefe da delegacia da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Santarém, ao comandante-geral da Polícia Militar do Estado do Pará e aos comandantes do Comando de Policiamento Regional I (CPR I) e do 3º e 35º Batalhões da PM.

No ofício, o MPF alerta sobre os princípios que devem nortear a atuação policial durante o cumprimento da ordem judicial. O documento enfatiza a necessidade de respeito aos direitos humanos, destacando que não é legítimo o uso de arma de fogo contra pessoas que não representem risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros.

O MPF destaca que, dentre outras normas, a Resolução do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), que estabelece diretrizes para atuação do poder público em manifestações e eventos públicos, enfatiza estes pontos principais:

  • proteção dos direitos humanos, assegurando a vida, a incolumidade das pessoas e o direito de livre manifestação do pensamento e reunião;
  • orientação para que os agentes públicos usem meios não violentos, evitando o uso de armas de fogo em manifestações;
  • uso restrito de armas de baixa letalidade, somente em situações extremas de comprovada necessidade para resguardar a integridade física de agentes ou terceiros e para conter ações violentas; e
  • proibição expressa do uso de qualquer tipo de arma contra grupos vulneráveis, como crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosos.

O MPF também encaminhou cópias do ofício ao Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e às Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado do Pará (DPE/PA).

Íntegra da primeira decisão judicial

Íntegra do recurso do MPF

Íntegra da segunda decisão judicial

Íntegra do ofício enviado a autoridades policiais

Fonte: MPF e Publicado Por: Jornal Folha do Progresso

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